A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o Estado brasileiro por violar direitos humanos de 171 comunidades quilombolas que vivem em Alcântara, no Maranhão.
O julgamento do caso foi realizado em abril de 2023 e a sentença foi divulgada nesta quinta-feira (13), determinando que o Estado brasileiro adote medidas para demarcar e concluir a titulação coletiva do território quilombola de 78.105 hectares.
A condenação diz respeito ao processo de construção e implementação do Centro de Lançamento de Foguetes (CLA), iniciada na década de 1980, e foi aplicada em razão das violações sofridas pelos quilombolas de Alcântara no direito à propriedade coletiva, à livre circulação e residência, à autodeterminação, à consulta prévia, livre e informada, violações aos direitos à proteção da família, à alimentação e moradia adequadas, à educação, à igualdade perante a lei e à proteção judicial, entre outros.
Alcântara é o município com a maior proporção de população quilombola do país, com 84,6% dos moradores autodeclarados. O Território Quilombola de Alcântara tem 152 comunidades, com cerca de 3.350 famílias, e foi ocupado por populações negras escravizadas a partir do século 18.
“A Corte constatou que o Estado violou os direitos à propriedade coletiva e à livre circulação e residência por: não cumprir sua obrigação de delimitar, demarcar, titular e desintruir o território das Comunidades Quilombolas de Alcântara; conceder títulos individuais de propriedade em vez de reconhecer a propriedade coletiva em favor da comunidade; e, não cumprir seu dever de garantir o pleno uso e gozo do território coletivo por parte das comunidades, incluindo medidas compensatórias em razão do impacto das restrições sistemáticas durante as ‘janelas de lançamento’ no uso de seu território e em seu direito de circulação para o exercício de seus cultos, de sua atividade econômica e de sua alimentação”, diz o comunicado da CIDH.
Entenda o caso
Em agosto de 1979, o Ministro da Aeronáutica manifestou seu interesse em utilizar uma parte do território de Alcântara para a implementação de um centro de lançamento espacial brasileiro. O local foi escolhido por ser considerado vantajoso para operações dessa natureza, pela proximidade à Linha do Equador.
Em setembro de 1980, o estado do Maranhão declarou de utilidade pública para fins de desapropriação uma área de 52.000 hectares em Alcântara, a fim de implementar o CLA.
O centro foi criado oficialmente em março de 1983. Ainda no mesmo ano, teve início a instalação de uma base espacial na cidade de Alcântara.
Entre 1986 e 1987, foram realizadas as duas primeiras fases de deslocamento obrigatório das comunidades quilombolas que residiam na área declarada de interesse público, as quais foram reassentadas em sete agrovilas. Até 2001, um total de 312 famílias de 31 Comunidades Quilombolas haviam sido deslocadas e reassentadas.
Após uma intensa luta das comunidades, em 2004, a Fundação Palmares certificou o território como quilombola. Em 2008, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) publicou o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) identificando como território tradicionalmente ocupado a área de 78.105 hectares.
Ainda assim, a Força Aérea Brasileira (FAB) planejava ampliar o território da base de 8,7 mil hectares para 21,3 mil hectares, avançando sobre as comunidades. Após a publicação do relatório, o Ministério da Defesa manifestou a existência de interesses do Programa Espacial Brasileiro.
Para o tribunal, a falta de resposta judicial às reivindicações dos quilombolas gerou intensos sentimentos de injustiça, impotência e insegurança, afetando, assim, o projeto de vida coletivo em seu território tradicional.
Além disso, a Corte evidenciou que o Estado falhou em sua obrigação de adotar medidas para preservar as práticas próprias da economia de subsistência das comunidades quilombolas de Alcântara, impactando, assim, seu direito à alimentação adequada. A situação foi agravada por uma série de restrições aplicadas nas agrovilas que impediram o acesso dos membros das comunidades às práticas, aos bens e aos serviços culturais, como o acesso as praias, cemitérios, a celebração de festas religiosas, entre outros.
“O Tribunal também constatou que as comunidades enfrentaram obstáculos de acessibilidade material à educação, pois nem todas as agrovilas dispõem de escolas e/ou transporte regular para acessar instituições de ensino em agrovilas próximas”, disse a CIDH.
Julgamento
Em abril de 2023, quando o caso foi levado para julgamento na CIDH, no Chile, o Brasil pediu desculpas aos quilombolas e reconheceu que o Estado violou os direitos à propriedade e proteção judicial das comunidades de Alcântara.
Na ocasião, o advogado-geral da União, ministro Jorge Messias, apresentou um pedido público de desculpas pelas violações. O documento reconhece 152 comunidades representadas no caso como sendo remanescentes de quilombos.
“Houve violação estatal ao direito de propriedade nesse caso, porque o Brasil não promoveu a titulação do território tradicionalmente ocupado pelas comunidades até o momento. Houve também violação à proteção judicial em decorrência da demora processual e da ineficiência das instâncias judiciais e administrativas para permitir às comunidades quilombolas de Alcântara o exercício do direito à propriedade coletiva das terras por elas ocupadas”, disse o ministro.
Quatro meses depois, em agosto, o governo federal criou um grupo de trabalho interministerial para buscar solução sobre o impasse que dificulta a titulação das terras.
Em setembro do ano passado, o governo assinou um termo de conciliação com as comunidades quilombolas de Alcântara, encerrando uma disputa de 40 anos pela área no entorno do CLA.
Em cerimônia na cidade maranhense, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também assinou o Decreto de Interesse Social do território quilombola, passo fundamental para a titulação da área.
“A história do povo de Alcântara vai mudar”, disse o presidente, destacando a importância dos atos para o acesso da população a benefícios sociais e serviços públicos básicos, como saúde, educação e acesso à água.
Informações: Divulgação/Agencia Brasil